quinta-feira, 7 de maio de 2009
ESCUTATÓRIA
Sempre vejo anunciados cursos de oratória.
Nunca vi anunciado curso de escutatória.Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.Diz Alberto Caeiro que.. Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.Parafraseio o Alberto Caeiro:Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.É preciso também que haja silêncio dentro da alma.Daí a dificuldade:A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.
No fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.
Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala.Há um longo, longo silêncio.
Vejam a semelhança...Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio...Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas.Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala.Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...Pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir...São duas as possibilidades.
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.
Na verdade, não ouvi o que você falou.Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala.
Falo como se você não tivesse falado.
Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.
E, assim vai a reunião.Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.Eu comecei a ouvir.Fernando Pessoa conhecia a experiência...E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia...Que de tão linda nos faz chorar.Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.
Rubens Alves
Fonte: Absurdo e Graça
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